Joceline Gomes
No dia 20 de dezembro de 1985, uma lei
federal estabelecia como crime o tratamento discriminatório no mercado
de trabalho, entre outros ambientes, por motivo de raça/cor. A chamada
“Lei Caó” (Lei nº 7437/85)
classifica o racismo e o impedimento de acesso a serviços diversos por
motivo de raça, cor, sexo, ou estado civil como crime inafiançável,
punível com prisão de até cinco anos e multa.
Mesmo tendo sido sancionada há 26 anos,
ainda é possível encontrar muitos casos de discriminação, principalmente
contra negros, no ambiente de trabalho. Uma das situações com
repercussão nacional mais recente foi da jovem Ester Elisa da Silva
Cesário, de 19 anos.
Negra de cabelos crespos, a estagiária
afirma que a diretora da escola onde trabalhava a orientou a alisar os
cabelos para “manter boa aparência”, pois não seria possível
“representar a escola” com os cabelos como estavam.
Além disso, segundo depoimento de Ester,
a diretora também disse que iria comprar camisetas do uniforme mais
longas, a fim de esconder os quadris da moça. Ester registrou queixa na
Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) de São
Paulo e aguarda a decisão.
Decradi – Além de
investigar, a Decradi também realiza estudos de casos sobre intolerância
e trabalha em parceria com entidades que representam as minorias, como é
o caso de negros, homossexuais, ciganos, indígenas e algumas
denominações religiosas, sobretudo as de matriz africana.
Há um banco de dados sobre os principais
casos e autores desses crimes que a Delegacia usa para estudar as
causas da intolerância e quais os motivos que levam os acusados a
cometer esse tipo de crime. A Delegacia está em funcionamento desde
2006.
Consumidores – Para
além do mercado de trabalho, a população negra brasileira também sofre
discriminação no comércio. Uma pesquisa realizada este ano pela Fundação
Procon de São Paulo, com a colaboração de alunos da Faculdade Zumbi dos
Palmares, constatou que 44,26% dos negros entrevistados já se sentiram
discriminados no mercado de consumo no momento da compra de um produto
ou serviço.
Com esse resultado alarmante, a Fundação
Procon-SP, a Coordenadoria de Políticas Públicas para as Comunidades
Negra e Indígena da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da
Cidadania e a Associação Paulista de Supermercados (APAS) se reuniram
para debater políticas de combate à discriminação étnico-racial no setor
mercadista.
Foi decidido que, a partir do início de
2012, as instituições envolvidas irão elaborar um material informativo,
visando à conscientização de funcionários e executivos do setor, que
também passarão por cursos de capacitação sobre o combate ao racismo.
O estudante Pedro Vicente Cabral já
sofreu esse tipo de preconceito. Ele conta que entrou com alguns amigos
em uma lanchonete em São Paulo, próxima a sua residência, e fez um
grande pedido com comidas e bebidas. No momento em que terminavam o
pedido, perceberam que a atendente acionava a polícia em voz baixa. Em
poucos minutos a viatura chegou ao local.
Desigualdade – A
população negra, além de trabalhar mais e em condições precárias, recebe
salários menores mesmo quando assumem cargos iguais aos dos brancos. O
Capítulo II da Constituição Federal, que trata dos direitos sociais,
proíbe em seu Artigo 7º a diferença de salários, de exercícios de
funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor, ou
estado civil, reforçando a Lei Caó.
Mais de 20 anos depois, o Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) divulgou na Relação Anual de Informações
Sociais (Rais) de 2010 que a diferença entre a remuneração média de
negros e brancos no país diminuiu, mas ainda persiste. O índice
correspondente ao último ano foi de 46,4%, e em 2009 de 47,98%.
A média salarial para homens negros foi
de R$ 1.255,72 contra R$ 1.891,64 para homens brancos. Esta diferença
fica ainda maior quando comparado os salários das mulheres: no mesmo
período as negras receberam em média R$ 944,53, já as brancas R$
1.403,67.
Previdência Social – A
situação desfavorável dos negros no mercado de trabalho é refletida ao
chegarem à terceira idade, quando recorrem à previdência social. Por
contribuírem menos, a cobertura previdenciária na velhice é menor e por
isso, recebem benefícios de valor mais baixo. Segundo a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2005, os idosos brancos
acima de 60 anos têm, em média, rendimentos totais 82% maiores do que os
negros.
Com a abolição da escravatura não foi
garantido nenhum tipo de auxilio aos negros que durante anos haviam
trabalhado sem remuneração, no regime de escravidão. Mesmo com a criação
dos sistemas de assistência da Previdência Social, na maioria das vezes
o negro não era beneficiado, pois, durante anos era necessário ser um
contribuinte pertencente a alguma categoria profissional. Após a
abolição, a maioria dos negros foi trabalhar como autônomo ou no meio
rural e essas categorias só seriam beneficiadas posteriormente.
A Lei Caó, isoladamente, não foi
suficiente para resolver as questões de discriminação no ambiente de
trabalho. Outras leis foram criadas após sua sanção visando a inclusão
da população negra nos muitos setores da sociedade brasileira. Mas,
hoje, os afro-brasileiros comemoram esta que foi uma das primeiras leis a
defendê-los contra o preconceito em diversos ambientes e que cada vez
mais precisa ser conhecida e aplicada.
Fonte: Agora São Paulo, Bom Dia Brasil, Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, Combate ao Racismo Ambiental
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